Série Idiossincrasias Dalber Brito - Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

CAMINHOS ABERTOS COM AS MÃOS

por Vitú de Souza

24 de janeiro de 2024

Série Idiossincrasias Dalber Brito - Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

NAGÔ, NUNCA FALTOU

O Arquivo Fotográfico Negro Nagôgrafia, faz a alusão direta ao termo do Idioma Iorubá (falado na Nigéria e Benin) – ‘NAGÔ’ – que, em sua tradução livre, sinaliza os Caminhos e possíveis Aberturas e Encruzilhadas.

Série Idiossincrasias Dyana Santos- Contagem/ MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

Em consequência ao tráfico de africanos pelo Atlântico (ocorrido entre os séculos XVI e XIX), o termo foi amplamente utilizado para descrever os povos da Costa Ocidental Africana, e posteriormente subvertido como metodologia de materialização destas culturas, se organizando, deste modo, enquanto aquilombamento. ‘O Povo Nagô’ ou ‘Nação Nagô’, indo da Costa da Bahia em Salvador e se ramificando por todo o território brasileiro, através dos Terreiros e outras Organizações Culturais, que em suas confluências com as Tradições dos Povos Bantus (da África Central), desenvolveram outros diversos arcabouços estéticos, de uma unidade negra comum. Sendo: ‘NAGÔ’, um dos sinônimos possível para a ‘Negridão’ e todas as suas afluências, reunidas sob esse nome. Não mais, como ‘Folclore Racista’, e sim, como uma dupla afirmação estético-visual da Negrura.

Série Idiossincrasias Marcel Diogo -Contagem/ MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

Enquanto projeto, o Arquivo teve a possibilidade de documentar o ateliê de 11 artistas, residentes de Belo Horizonte–MG. em novembro de 2023, numa série de fotografias comissionadas por Deri Andrade para a exposição “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”, onde foi possível identificar processos similares de ‘Aquilombamento’ e ‘Afirmação Estética’ que os Nagôs fizeram pelo território brasileiro.

IDIOSSINCRASIAS DOS CAMINHOS, NAGÔSSINCRASIAS

Apesar das tradições Nagôs terem chegado ao estado de Minas Gerais, importadas do trânsito religioso (SALVADOR – SUL), foram especificamente perpetuadas pelas contribuições de Carlos Olojukan, fundador do Terreiro Ilê Wopo Olojukan, em 1964, esta fundação só foi possibilitada com os diálogos e intercâmbio entre o Terreiro e as Corporações Negras dos Reinados (Congados, Moçambiques e Candombes), que empregavam métodos seculares de perpetuação de suas raízes filosóficas, na materialidade da arte.

Série Idiossincrasias Will – Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

 

Série Idiossincrasias Pedro Neves – Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

Um exemplo deste contexto é o histórico do processo de Tombamento do Terreiro Olojukan, que ocorreu em paralelo à Primeira Edição do Festival de Arte Negra (FAN) em 1995, quando as culturas negras, encorajadas pelos ‘Movimentos Negros Organizados’ da época, pressionaram a Prefeitura de Belo Horizonte a criar uma política para a preservação desta Casa de Axé. Mesmo havendo outros Terreiros mais antigos que o Wopo Olojukan, como o próprio Nzo Kuna Nkos’i (Primeiro terreiro de Nação Angola do Estado de Minas Gerais). Não houveram competições ou equiparações de relevância, por entenderem que os caminhos de ambas tradições perpassam por serem contemporâneas uma da outra, tendo caminhos imbricados pela luta contra o racismo, utilizando na Materialidade da Arte com a forma de protegerem suas fundamentações filosóficas, memórias e suas respectivas tangibilidades.

Série Idiossincrasias Iago Marques – Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

 

Série Idiossincrasias Marcus Deusdedit – Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

AS GRAFIAS DOS (ARTISTAS) NEGROS BELORIZONTINOS

Dos 11 artistas fotografados pelo Nagôgrafia, respectivamente: Will; Massuelen Cristina; Marcel Diogo; Dyana Santos; Dalber Brito; Juliana Oliveira; Marcus Deusdedit; Pedro Neves; Iago Marques; Desali e Gamba. Contemporâneos, uns dos outros, compartilham em seus trabalhos as noções de Caminhos e Aquilombamentos, que os possibilitaram ‘Se Encruzilharem’ entre si, em diversas oportunidades. Cientes de seus direitos à autonomia simbólica, estes artistas visuais documentam a realidade através de suas obras, seus protestos, linhas de pesquisa, seus idiomas e sincrasias únicas, indissociáveis de seus desempenhos individuais e propósitos pessoais mais íntimos. Para além de enunciados à beleza, são manifestos públicos da sobrevivência e persistência azeviche, enquanto fiscalizam e protegem as existências uns dos outros, assim como as tradições negras seculares faziam.

Série Idiossincrasias Massuelen Cristina- Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

 

Série Idiossincrasias Juliana de Oliveira- Belo Horizonte / MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

Isto ocorre porque Belo Horizonte é um território construído pelas materialidades das pessoas pretas, trazidas para mão-de-obra da construção da cidade-modelo, configurando-a paralelamente em obra e em ateliê. Num território de memória, (circunscrita) de estéticas e filosofias negras, apropriadas, havendo não somente uma Sankofa em cada portão, mas sim, negro em todos os traços da cidade, mesmo que nenhum negro esteja morando no território construído por seus ancestrais. O processo de Cura e Enegrecimento dessa Região é retroalimentado por cada artista que residente, dando novas camadas ao que existia anteriormente, tornando negro o que foi embranquecido e instaurando espaços de confluência os quais não foram planejados para este território, indo além de cidade cosmopolita, para Região ‘Quilombozilhada’, sendo a antítese aos paradigmas coloniais (posteriormente republicanos) subvertendo as estruturas modernas. Havendo sempre um negro ou um conjunto de negridões, desafiando os alicerces brancos impostos.

Série Idiossincrasias Desali – Belo Horizonte/ MG Impressão fotográfica sobre papel Hahnemuhle Photo rag 308 21 x 29,7 cm Coleção Projeto Afro, com apoio do Instituto Ibirapitanga

Conquistando, de arte em arte, o Território
abrindo os Caminhos com as suas próprias mãos.

 

A produção deste ensaio e deste artigo é apoiada pelo Instituto Ibirapitanga.

 

Referências:

ALMEIDA, Amarildo Fernando – A SENIORIDADE INICIÁTICA DO ILÊ WOPO OLOJUKAN: origem e extensão do Candomblé em Belo Horizonte – MG e as narrativas

sagradas das Iabás <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/CiencReligiao_AlmeidaAF_1.pdf>

MARQUES, Nathália. Entrevistada durante a Exposição Cidade Palimpséstica, 2019 disponível <https://www.youtube.com/watch?v=1Jk5ZCvlbP8>

CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros. Com origem das palavras’- Rio de Janeiro, RJ, 1988

SODRÉ, Muniz. ‘Pensar nagô’ – Petrópolis, RJ, 2017 <https://www.professores.uff.br/ricardobasbaum/wp-content/uploads/sites/164/2022/03/Sodr%C3%A9_Muniz-Pensar-Nag%C3%B4.pdf>

Conhecendo o Patrimônio Cultural de Belo Horizonte – https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/cultura/2021/ilewopoolojukan-pdf.pdf