56° Biennale di Venezia, curada por Okwui Enwezor. Foto: Alessandra Chemollo – Cortesia: la Biennale di Venezia/Reprodução
56° Biennale di Venezia, curada por Okwui Enwezor. Foto: Alessandra Chemollo – Cortesia: la Biennale di Venezia/Reprodução

INSIDE – A NATUREZA E OS SISTEMAS CURATORIAIS

por ANA PAULA LOPES

5 de dezembro de 2023

56° Biennale di Venezia, curada por Okwui Enwezor. Foto: Alessandra Chemollo – Cortesia: la Biennale di Venezia/Reprodução
56° Biennale di Venezia, curada por Okwui Enwezor. Foto: Alessandra Chemollo – Cortesia: la Biennale di Venezia/Reprodução

O espaço expositivo é um lugar de inquirição e de resposta para uma “mudança” na estrutura da arte e da própria curadoria. Para o curador Harald Szeemann, “[…] arte era um modo de desafiar a noção de propriedade/posse”[1]. A curadoria, tal como a arte, um campo significante, que através da pesquisa e da elevação espacial, é possível montar, colar e desmontar conceitos e a estrutura da arte. Por ser um local crítico em que as “exposições são o principal local de troca na economia da arte, onde as significações e construídas, mantida e ocasionalmente desconstruídas”[2].  Pois como colocado pelo curador Okwui Enwezor no texto The Black Box, ao dizer:

Outra observação é ver uma exposição como uma espécie de metalinguagem de mediação que constrói um sistema tautológico no qual a obra de arte está vinculada à sua própria autorreferencialidade por meio das relações estabelecidas entre meios, objetos e sistemas. Isso seria particularmente verdadeiro quando se pede que a obra de arte apresente para escrutínio todas as suas relações formais, conceituais e analíticas constitutivas com a linguagem da ideologia da exposição. (ENWEZOR, 2002) (Tradução nossa)[3]

Um local que justapõe, para além da estética e uma história da arte, um aparato transdisciplinar e de articulação de outras áreas, como a geopolítica, economia, política e social, gerando signos próprios e, assim, instaurando no espaço um outro ou um novo, como Milton Santos diria um evento, já que o evento “é todo um novo. Quando eles emergem, também estão propondo uma nova história”[4].

Thomaz Rosa, A volta da sorte, 2023. Óleo, arame, metal, cola sobre tela, 200 x 556 cm. Foto: Bruno Leão

Uma territorialidade curatorial, onde se conta uma nova história, revelam-se apagamentos. Através de uma ação transdisciplinar que ampliam “horizontes”[5]. Ao mesmo tempo que o espaço evidencia uma “rugosidade”, como diria Santos, onde passado e presente, confrontando-se em continuidade, gerando a partir de uma polifonia de vozes. Deste modo, a curadoria é um território justamente por não ser:

“[…] um dado neutro nem um ator passivo. Produz-se uma verdadeira esquizofrenia, já que os lugares escolhidos acolhem e beneficiam os vetores da racionalidade dominante mas também permitem a emergência de outras formas de vida. Essa esquizofrenia do território e do lugar tem um papel ativo na formação da consciência.” (SANTOS, 1999, p. 39)

Concomitantemente, a curadoria são gestos e atitudes, e sobretudo “una posición al margen”[6], que podemos identificar no loteamento dos 1.000 m² do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) na Jovem Arte Contemporânea de 1972. Em uma proposta que nasce no Museu, e não em um espaço independente ou galeria, e em plena ditadura militar, no auge do AI5. Assim, ao dizer que a curadoria é una posición al margen[7] é também evidenciar em sua territorialidade que é também espaço político e de poder. Um local de posicionamento e que pode se opor uma historiografia ocidental, construir uma outra história ao mesmo tempo que pode evidenciar produções objetuais. Ou seja, curadoria é um espaço de atitude, também, e talvez por isso Harald Szeemann tenha desenhado When Attitudes Becomes Form, em Kunsthalle, Berna, 1969. Pois quando Hans Ulrich Obrist pergunta para Szeemann, na entrevista, sobre a exposição, do qual se torna um marco para arte contemporânea e a curadoria.

Mario Merz, Robert Morris, Barry Flanagan e Bruce Nauman, When Attitudes Become Form, na Kunsthalle Bern, 1969. Foto: Contemporary Art Daily/reprodução

Mario Merz, Robert Morris, Barry Flanagan e Bruce Nauman, When Attitudes Become Form, na Kunsthalle Bern, 1969. Foto: Contemporary Art Daily/reprodução

Outro ponto importante para trazer na discussão sobre a curadoria é refleti-la em relação ao objeto artístico, como a produção minimalista e toda a desmaterialização do objeto, o que irá de certa forma colocar o espaço expositivo em uma outra ordem, trazendo outros signos, e impondo uma equação da processualidade objetual no cubo branco. Assim, a obra que se desfaz matéricamente, de forma gradativa, explora o espaço expositivo e o dilata. O objeto artístico miminal que não se pretende ser nada além do que se apresenta. Há uma simplicidade, porém uma história da arte é evocada de forma profunda para desfazer a materialidade e a sua aura. E assim, como Amy Dempsey disserta a produção artística “ao restringir os elementos que atuam em cada objeto, criam-se efeitos mais complexos do que mínimo.”[8].

O espaço toma outras formas nas exposições. O cubo branco se mantém, porém o objeto rompe as quatro paredes e saem das galerias e vai para fora, e vai para cidade e ambientes naturais, como Robert Smithson, com Spiral Jet. As paredes das salas de exposição que abrigam as pinturas entram em relação com a obras na sua desmaterialização, local para se evidenciar o processo. O chão ganha vigor, de modo a instaurar outras lógicas da obra, como o público estabelece uma relação com ele. E não à toa as exposições When Attitudes Become Form, 1969, e Information, 1970, Do Corpo a terra, 1970, e Jovem Arte Contemporânea de 1972, instauram outra história das exposições e da curadoria.

 

A produção deste artigo é apoiada pelo Instituto Ibirapitanga.

 

[1] Obrist,, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI, 2010, p.106.
[2] Ibidem, p. 16.
[3] https://www.on-curating.org/issue-46-reader/the-black-box.html
[4] Santos, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: EDUSP, 2006, p. 94. Acesso em 08 de julho de 2023. Disponível em: https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/bitstream/handle/123456789/1799/A%20natureza%20do%20Espa%C3%A7o.pdf[5] PEDROSA, Mario, A Bienal de cá para lá. In: ARANTES, Otília (org.), A política das Artes. São Paulo: Edusp, 1995. p.256-271.
[6] Assis, Ana Paula Lopes. Una Posición al Margen. Terremoto Magazine, México, 2018, p. 31.
[7] Assis, Ana Paula Lopes. Una Posición al Margen. Terremoto Magazine, México, 2018, p. 31.
[8] Dempsey, Amy. Estilos, Escolas & Movimentos: Guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 238.