ESPAÇOS INDEPENDENTES E O ISOLAMENTO SOCIAL

por Carollina Lauriano

21 de junho de 2020

A crise da COVID-19 na arte revela as precariedades as quais esses agentes sempre operaram no circuito

Espaços independentes possuem uma grande importância nas artes, por atuarem no intervalo entre as instituições e o mercado de arte, servindo como um lugar tanto de formação, quanto de experimentação para os artistas, não só para aqueles em início de carreira; artistas estabelecidos também encontram ali um outro local de troca, interlocução e fruição para suas pesquisas artísticas.

Carollina Lauriano. Foto: Murilo José/reprodução

Devido à pandemia global em decorrência da COVID-19, a paralisação temporária dos serviços tidos como não básicos e essenciais colocou em xeque todo um sistema econômico, incluindo as artes. Com isso, vimos instituições, galerias e outros centros migrando rapidamente suas programações para o ambiente online. Enquanto essa adaptação acontecia, em outro aspecto observamos os espaços independentes tendo que lidar com outras urgências antes mesmo de lidar com tal reprogramação, como a própria iminência de seus fechamentos, inclusive, na última semana, o BREU, misto de ateliê de artista e espaço independente, por meio de um comunicado em suas redes sociais, anuncia seu encerramento em julho, após três anos e meio de atuação.

Esses espaços já estavam vivenciando a diminuição dos editais que contemplavam a manutenção e garantiam uma maior programação cultural, concorrendo cada vez mais com outras áreas da cultura, entre elas a música, o teatro e a dança. Com isso, muitos passaram a depender quase que totalmente de investimento privado para sua sobrevivência. Tal verba vem de origem mista, oriunda das mais diversas vertentes como: cursos e acompanhamentos, apadrinhamento, encontros e falas, venda de múltiplos de arte, residências artísticas e aluguel de salas compartilhadas de ateliê são alguns dos exemplos que ajudam a fechar a conta no fim do mês. Mesmo assim, tal multiplicidade de ações não garante seu fechamento com tanta facilidade. Na maior parte dos casos, gestores e colaboradores trabalham voluntariamente para que os lugares se mantenham ativos, sem contar a manutenção do prédio e a remuneração de parceiros de projetos.

O ATELIÊ397, uma das mais longevas propostas independentes de arte de São Paulo, e com quase 17 anos de funcionamento, do qual sou gestora ao lado de Ana Elisa Carrasmachi e Tania Rivitti, viu sua receita diminuir cerca de 40% durante esses três meses de isolamento social. Os grupos de acompanhamento e residência artística migraram para o digital, mas mesmo assim não foi possível evitar as baixas, seja de alunos, residentes ou artistas que locavam ateliês no galpão na Pompéia (Zona Oeste da cidade) que abriga o ATELIÊ. Para vislumbrar seu futuro, além de renegociar as contas mensais, o ATELIÊ397 iniciou uma campanha de arrecadação online, sendo cada contribuição de extrema importância para sua manutenção mensal.

Exposição “Uns” (2017), no BREU. Foto: reprodução

Logo no início da quarentena, um grupo de artistas e gestores de espaços independentes de arte, como o BREU e o Olhão, assinaram uma carta conjunta solicitando a isenção temporária de impostos municipais, encaminhado para o atual secretário municipal de Cultura, Hugo Possolo, e que segue sem resposta até o atual momento. Recentemente, a classe artística viu uma nova esperança surgir com a aprovação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc pelo Senado Federal, e que contempla uma verba de manutenção. Mas, até que a lei seja de fato efetivada e passe a valer, os locais independentes seguem na corda bamba para sanar seus problemas urgentes de sobrevivência.

Estratégias de desconfinamento

Enquanto seguem de portas fechadas, os espaços e seus gestores continuam pensando estratégias para que a arte, e os artistas, continuem circulando e exercendo seu papel de reflexão.

Com planos para realizar residências artistas neste ano em sua sede, o Olhão passou a apresentar uma web residência, hospedada em seu site. O BREU continua sua programação de cursos on-line. O Pivô, que acaba de encerrar seu primeiro ciclo de residência com um desktop aberto via aplicativo Zoom, anunciou que seu segundo ciclo seguirá nessa perspectiva de encontros virtuais, agora sob orientação da curadora Clarissa Diniz.

Evento “Desktop Aberto”, versão online do Ateliê Aberto do Pivô. Foto: reprodução

O ATELIÊ397 também prepara-se para a conclusão de sua turma da residência artística Temos Vagas!, que terá como resultado uma publicação online, criada a partir das discussões, encontros, trocas, atravessamentos e processos que os residentes Carlos Medina, Luiza Branco, Isabella Lescure, Nicole Kouts, Erica Magalhães, Renata Egreja, Heloisa Hariadne, Gabriela Monteiro, Mariana Rodrigues, Martina Krapp e Gabriel Pesotto vivenciarão em 5 meses de residência (dos quais 3 destes serão online).

Buscando outras formas de circulação de trabalhos, eu, juntamente com o artista Raphael Escobar, criamos o perfil no Instagram @__etcetc. Nele, convidamos agentes de todo o circuito da arte para criar curadorias que, em grande parte, são ativadas pelos convidados a partir de aproximações de linguagem e/ou afetividades.

Com a internet, experimentamos tentativas de romper com o circuito e ir além do eixo Rio-São Paulo. Para isso, nossa proposta parte de convidar não só artistas de outras regiões do país, mas também trazer a visão de pessoas que atuam em outras frentes, como montagem e educação, para expressar novos olhares e somar nas discussões. Recentemente, o Escobar realizou uma organização de grafiteiros e artistas que vieram de práticas da rua, ou que a usam como discurso e/ou suporte para suas práticas, oportunidade que raramente veríamos em uma exposição ou em discussão no circuito, com ele em pleno funcionamento.

 

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Em quase três meses de projeto, já reunimos 20 artistas-agentes-curadores, que apresentaram mais de 100 artistas para o público. Embora os números do @__etcetc sejam entusiasmantes a curto prazo, ganha-se de um lado e perde-se do outro. Se a reestruturação dos projetos para a internet tem buscado dar conta da lacuna que se criou com a crise do coronavírus, ela ainda não é a solução para que os espaços físicos independentes garantam sua vida a médio e longo prazo. Agora, mais do que nunca, é importante que estejamos engajados com as tentativas de sobrevivência de quem sempre atuou à serviço da arte.