CONVERSA COM ARTISTA: GUSTAVO NAZARENO
por Deri Andrade
16 de junho de 2021
Com duas exposições em cartaz simultaneamente em Londres e São Paulo, o artista Gustavo Nazareno tem figurado no cenário institucional apresentando sua alegoria de Exu. A pesquisa em torno das afro-religiosidades, com todo seu panteão de orixás na Umbanda e no Candomblé, é o ponto de partida para Nazareno ensaiar uma nova percepção da imagem do orixá frente à cultura contemporânea. Tomando emprestado referências em torno da fotografia de moda e da cultura queer e seus bailes de voguing, o artista experimenta pela linguagem do desenho, com destaque para o uso do carvão, e da pintura. Estudioso das formas humanas e da história da arte, Nazareno explora a figura dos orixás com opulência, beleza e delicadeza. Ao longo dos últimos meses, tive a oportunidade de estar em contato com seu trabalho, a partir do convite para curar sua individual “Fables on Exu” na sede da Gallery1957 na capital inglesa. Nesta conversa com o Projeto Afro, o artista nos conta sobre como se iniciou nas artes, sua relação com as religiões de matriz africana e os desafios de montar a exposição em um cenário desafiador imposto pela pandemia.
Deri Andrade (Projeto Afro): Você nasceu em Três Pontas, MG, onde dedicou parte da sua adolescência às pesquisas em arte. Poderia contar quando e como passou a se interessar pela arte?
Gustavo Nazareno: Construir imagens faz parte da minha expressão desde pequeno e foi evoluindo de acordo com minha formação de identidade. Venho de uma cidade e de uma casa muito católica, imagens religiosas sempre foram muito presentes e me chamavam muito a atenção, principalmente pelo poder que as pessoas davam para elas ao rezar. Logo na adolescência, meu interesse pela arte sacra surgiu, o que me levou a pesquisas sobre iconografia e a vida dos artistas.
DA: Você participou do programa de residência “The Legacy Brothers Lab”, do curador Danny Dunson, em 2020. De que forma essa experiência influenciou na sua carreira em formação?
GN: A mentoria do Danny, que acabou virando uma parceria, foi essencial no desenvolvimento da minha carreira. Não só ao entender minha individualidade como artista, mas a ter uma postura com o mercado – entender que posso falar, que tenho minha palavra e que ninguém conhece meu trabalho melhor do que eu mesmo.
DA: Podemos identificar o marco inicial de sua prática com a forte presença do desenho em carvão, que alçou sua carreira em ascensão. Poderia falar como se interessou por essa técnica e a importância dela para suas pesquisas artísticas?
GN: Bará foi uma escola para mim, a ressignificação de parte da minha vida e uma descoberta de fé. Em 2018, comprei carvão por curiosidade – e foi muito trágico, ele fazia muito pó e sujava tudo. Em janeiro de 2019, ofereci 2 imagens para Exu, em oração, e intuí de usar o carvão pelo poder que ele tinha em símbolo e força. Na adolescência, para desenhar, eu fazia pó dos meus lápis para atingir graduações de cinza, e usei o carvão na mesma técnica. O carvão me deu uma liberdade para esculpir e entender anatomia fazendo volumes, usando meus dedos que, automaticamente, refletiu-se em toda a minha criação.
DA: Nos carvões e nas pinturas que têm desenvolvido recentemente, as questões em torno das religiões de matriz africana, principalmente sua relação com o orixá Exu, são o foco central do seu trabalho. Como esse tema surge na sua obra?
GN: Fé, absoluta fé. Cheguei num terreiro em 2018 logo que vim pra São Paulo, o Pai de Santo soube pela minha tia que eu desenhava e me pediu 7 pinturas dos orixás masculinos, não sabia pintar, mas ganhei os materiais e a chave do terreiro para usar como ateliê. Foi um encontro comigo mesmo e como se tudo fizesse sentido na minha vida, como se eu tivesse sido preparado para aquele momento. Nunca tinha pintado e, na primeira pincelada, me senti guiado num retrato de Xangô. Era justiça comigo e com a minha história, foi a primeira vez que senti o espírito. Minha pesquisa se estendeu nas 7 pinturas e foi se intensificando de acordo com minha construção de fé. E chegou Exu… Descobri Exu e senti que eu comecei a fazer sentido para mim, é estranho colocar assim, mas eu comecei a me entender, e explorar a imagem dele era explorar meu Ori, minha semelhança.
DA: Percebemos também uma referência no campo da fotografia de moda e da cultura queer. De que forma esses temas se cruzam e aparecem no seu trabalho?
GN: Me isolei muito por ser gay numa cidade pequena, e ter o poder de criar imagens em que eu poderia me expressar era um refúgio muito poderoso, moda foi uma ferramenta para isso. Fotografia de moda moldou como eu comecei a perceber imagens, descobrir o Irving Penn, Richard Avedon, Steven Meisel em colaboração com tantos designers, modelos e editores transformou minha vida. Depois, descobrir sobre os ballrooms, vendo “Paris is Burning”, formados por minorias que buscavam este mesmo refúgio, também foi transformador. Daí, quando comecei a desenvolver meu trabalho e descobri a beleza das afro-religiões, a opulência das roupas e toda performance, voltei aos desfiles, à beleza dos editoriais, aos bailes e à maneira como fé também foi um refúgio para nossos ancestrais. Foi natural a união de tudo.
DA: Atualmente, você está em cartaz em Londres com a exposição “Fables on Exu” na Gallery1957, galeria da qual você é representado. Qual a importância da realização dessa primeira exposição individual? E quais foram os desafios em realizá-la em um cenário pandêmico?
GN: Exu!!! Foi sobre Exu e eu gritei Laroyê bem alto, foi muito necessário para mim e uma vitória para a minha família. Eu escrevi, desenhei, pintei com as mãos e fiz tudo que queria fazer na criação das imagens. Trabalhar junto com você, Deri, foi muito importante para o processo, não só com a curadoria maravilhosa, mas com a parceria em toda logística, me senti muito seguro por ter alguém aqui no Brasil para me acompanhar, principalmente num momento em que tudo ficou mais distante. Sou muito grato que minha prática me permite continuar, e de certa forma, o isolamento faz parte do processo de criação, então acabou sendo bem tranquilo, porém senti muito por não ir para a abertura.
DA: Além da individual, você também está em cartaz na coletiva “Outros ensaios para o tempo” na galeria Nara Roesler em São Paulo, a convite da Portas Vilaseca Galeria, ao lado dos artistas Kika Carvalho e Mulambö. Poderia comentar como foi essa experiência?
GN: Conheci o Jaime, da Portas Vilaseca, em novembro de 2020, e nós estávamos esperando uma oportunidade para expormos juntos, daí surgiu essa oportunidade maravilhosa! Tive a oportunidade de continuar desenvolvendo minha escrita para essa exposição, e ver como ficou a conversa junto dos trabalhos da Kika e do Mulambö, me entregou uma perspectiva muito poderosa que dificilmente teria sozinho.
DA: Além de Carvalho e Mulambö, você tem acompanhado o trabalho de outros/as/es artistas contemporâneos? Se sim, poderia citar alguns nomes?
GN: São muitos! Mas vou citar uma que está tomando meu coração ultimamente – Lynette Yiadom-Boakye, tenho acompanhado muito ela.