Afetocolagens - Desconstrução de Visualidades Negativas em Corpos Negros (Série 2) (detalhe), 2021, de Silvana Mendes. Foto: Cortesia da artista

CONVERSA COM ARTISTA: SILVANA MENDES

por Deri Andrade

4 de agosto de 2021

Afetocolagens - Desconstrução de Visualidades Negativas em Corpos Negros (Série 2) (detalhe), 2021, de Silvana Mendes. Foto: Cortesia da artista

Neste mês de agosto dedicado à fotografia, o Projeto Afro apresenta uma série de entrevistas com artistas do mapeamento que têm impulsionado as discussões em torno da imagem. Para abrir a programação, conversamos com Silvana Mendes, artista visual de São Luís (MA), graduanda em Artes Visuais pela Universidade Federal do Maranhão. Mendes fala sobre a iniciação no campo artístico através da fotografia, como a colagem surge em seu trabalho, seu interesse por temas que atravessam debates sobre visualidades negras e sua relação com a arte-educação. A conversa é acompanhada por alguns trabalhos mais recentes da artista. Confira logo abaixo.

A artista Silvana Mendes em ação. Foto: Cortesia da artista

Deri Andrade (Projeto Afro): Em seu trabalho, você busca investigar o cotidiano e a subjetividade do comum a partir da imagem. Como surgiu o seu desejo pela fotografia?

Silvana Mendes: Então… Surgiu, pelo que eu me lembre, desde a infância porque sou uma criança que foi criada nos anos 90 e peguei essas transições de tecnologias em relação à produção de imagem e, por mais que eu fosse de uma família que não tinha condições de ter câmeras fotográficas, eu sempre fui muito ligada às imagens, gostava muito de assistir filmes, desenhos e vasculhar os álbuns de família por horas. Na escola, também sempre fui ligada às disciplinas que eram muito visuais, ou que me chamavam atenção por não serem só sobre coisas técnicas. Gostava muito de fotografar as festas ou feiras da escola e, inclusive, por conta dessa paixão, tenho muitos registros da minha adolescência, que na época pedia emprestada a câmera analógica de uma amiga da escola e aproveitava cada filme até o último clique, rs… Mas, já na minha entrada na universidade pública, os gostos pessoais, junto com os sonhos, foram se cruzando a partir do momento que cada vez mais eu ia me aprofundando no universo das imagens, comecei com o celular e até recentemente consegui comprar minha primeira câmera. Então, sinto que esse desejo pela fotografia é orgânico e sempre vivo em mim pela forma como ela me atravessou e continua atravessando.

Festa de reabertura do Kamafêu de Oxossí, São Luís, 2017., fotografia de Silvana Mendes. Foto: Cortesia da artista

DA: O uso da colagem digital, com destaque para a foto colagem, também faz parte de suas práticas. De que forma essa técnica aparece a partir dos temas que têm investigado?

SM: A colagem surgiu nas minhas práticas artísticas em meados de 2015, com a primeira série que dei título de “Solidão dos Bustos”, e também pelo fato da fotografia já não me ser suficiente para transmitir a ideia ou mensagem que eu queria construir “imageticamente”. Então, as fotomontagens e as colagens surgem nessa necessidade de comunicar uma ideia que já não cabia só na fotografia, porque sentia que já não era o suficiente ou o bastante e ia para outros suportes como o vídeo ou a colagem.

Afetocolagens – Desconstrução de Visualidades Negativas em Corpos Negros (Série 2), 2021, de Silvana Mendes. Foto: Cortesia da artista

DA: Imaginar desconstruções de visualidades negativas em corpos negros é um dos seus interesses. Para você, como a arte pode funcionar como instrumento de debate dessas questões?

SM: Ela deve surgir com esse propósito de fazer os questionamentos surgirem, pelo menos para mim é impossível estar no universo e sistema artístico e não apontar para esse debate. Independente do suporte que o artista use, eu acredito que devemos apontar as consequências das representações que a fotografia cria a partir do olhar branco sobre o negro, precisamos debater e entender os usos da fotografia enquanto documento e o papel das representações nela encontrada que há séculos vêm construindo o nosso imaginário. Então, acredito que a arte é uma potência em nos fazer colocar em discussão questões inerentes à nossa volta e sociedade.

Mãe Zênite – truar pelo Trovoa, ação no Sesc Santana, em São Paulo, 2020. Foto: Cortesia da artista

DA: Sua atuação também se dá no campo da arte-educação, participando de oficinas e palestras. De que maneira essas experiências se cruzam com a sua produção artística?

SM: Se cruzam no processo de como minha formação na universidade é a licenciatura, e como também fui criada por duas professoras meio que não consigo fugir desse movimento de trazer para sala de aula o que produzo artisticamente, e levar para minha produção questões que surgem na minha relação com a sala de aula. Acredito que a licenciatura é um caminho frutífero e potente em transformar a arte em ponte com o mundo e a vida em si… Fui transformada e levada por professores que me provocaram de diversas formas na sala de aula, e por mais que seja clichê, creio que professores/educadores sociais são como semeadores que apostam no caminho de seus alunos. Por mais que pareça sonhadora essa afirmação, digo do lugar de quem foi semeada por muitos professores/educadores que apontaram caminhos através da educação para mim e que me deram uma luz a seguir. Desde lá nunca parei, gosto muito da afirmação de Aza Njeri que diz: “nós somos sóis que acendem o sol do outro e consequentemente também já fomos iluminados por algum sol”, que fala sobre sermos seres que iluminam uns aos outros e fazem reverberar uma ideia através da educação.

Trabalho de Silvana Mendes desenvolvido para o artigo “Tecendo Modas e Memórias com Catherine E. Mckinley”, de Hanayrá Negreiro, para revista Elle Brasil, 2021. Foto: Cortesia da artista

DA: É fato que a produção artística brasileira vai além das barreiras geográficas do Sul-Sudeste do país. Como você observa esse movimento a partir da sua atuação no Maranhão, onde vive e trabalha?

SM: Essa é uma das grandes questões atualmente para mim…. De como ainda em 2021 precisamos apontar como a xenofobia nos afeta profissionalmente, e como a invisibilidade em relação a outras regiões do Brasil nos tira a possibilidade de não só trabalhar, mas de fazer com que nos enxerguem como potências e possibilidades reais e não como uma caricatura ou “token” do que se é ser artista nordestino. É uma luta constante de se posicionar e afirmar que podemos falar por nós mesmos.

DA: Você tem acompanhado a produção de outros/as/es artistas? Poderia comentar sobre?

SM: Sim, bastante! Principalmente por conta da pandemia e isolamento social, comecei a ter mais acesso a muitos artistas e produções que antes não tive e foi bem significativo poder até trocar ideia com algumas pessoas que são referência para mim e também poder dialogar com quem se interessa pelo meu trabalho, muitos, inclusive, conheci através do Projeto Afro, que é uma das plataformas que há tempos acompanho e admiro muito!