Mural "Deus é mãe", de 1.892 m², de Robinho Santana, na fachada cega do edifício Itamaraty em Belo Horizonte, como parte do Festival Cura 2020. Foto: Divulgação

CONVERSA COM ARTISTA: ROBINHO SANTANA

por Deri Andrade

15 de fevereiro de 2021

Mural "Deus é mãe", de 1.892 m², de Robinho Santana, na fachada cega do edifício Itamaraty em Belo Horizonte, como parte do Festival Cura 2020. Foto: Divulgação

Robinho Santana tem se destacado entre os jovens pintores brasileiros com uma produção pictórica figurativa que busca uma narrativa positiva da mulher e do homem negro. Em telas e empenas de prédios, sua obra exalta em cores vívidas imagens de personagens do nosso dia a dia, seja uma mulher negra com seus filhos, um jovem negro portando um diploma ou um pai com sua filha no colo. Nas pinturas, o artista vem cultivando uma iconografia da figura negra como centro e sujeito de sua própria ação. Nesta entrevista para o Projeto Afro, Robinho Santana fala sobre sua carreira, as referências familiares e os acontecimentos em torno do mural Deus é mãe realizado em 2020 em Belo Horizonte.

Mural de Robinho Santana no Viaduto Nove de Julho em São Paulo. Primeira empena do artista na cidade para o MAR – Museu de Arte de Rua. Foto: Divulgação

Deri Andrade (Projeto Afro): Como se deu seu interesse pela arte? Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória como artista?

Robinho Santana: Meu interesse por arte se deu em minha adolescência quando decidi com uns amigos montar uma banda de punk rock sem nunca ter encostado a mão em um instrumento. Nesse caminho da escola do faça você mesmo, existiu a necessidade de desenhar as capas dos discos e os cartazes dos shows dessa respectiva banda. Então me vi ali, desde muito novo, fazendo coisas mesmo sem saber como fazer direito, simplesmente porque eu gostava. Venho de escola pública e, na minha época, aulas de educação artística eram consideradas quase como aula vaga, então todas as minhas referências nesse campo veio através da rua, do skate, do hip hop e de amigos que tinham visto em algum lugar e trazido pra gente. Ao longo dos anos, me formei em fotografia e design, e dentro da faculdade de design tive acesso ao filme do Basquiat, e isso foi transformador em mina vida.

Foi a primeira vez que entendi que existia a possibilidade de pessoas negras serem pintores\artistas e viverem disso. Levei as artes visuais como segunda opção na minha vida, algo que eu fazia simplesmente nas horas vagas entre um trabalho e outro, mas hoje me dedico somente a isso 100% do meu tempo.  Atualmente, meu trabalho chega a lugares do mundo que eu jamais imaginei e ocupou espaços importantes no Brasil como o IMS paulista, Ação Educativa, Sesc Pompeia, Itaú Cultural e diversos outros em projetos editoriais, exposições individuais e coletivas, além de estar sempre presente em espaços públicos em algumas cidades.

Luto como o verbo, 2020, de Robinho Santana. Acrílica sobre tela, 70 x 90 cm. Foto: Divulgação

DA: Você comentou em entrevista que teve uma criação marcada por participações em atos e manifestações políticas, principalmente pela atuação de seus pais na área. Como isso influenciou no seu trabalho artístico?

RS: Sim, eu nasci em Diadema, no Grande ABC, lugar que foi palco de uma revolução sindical e metalúrgica nos anos 1980 em que meus pais tinham uma grande atuação. Uma boa parte de minha infância foi dentro do Sindicado dos Metalúrgicos do ABC, na CUT ou acompanhando meu pai em alguma greve nas portas de fábricas. Vale aqui comentar a Marcha Zumbi pela vida em 1995, onde trabalhadoras e trabalhadores negras e negros caminharam da Praça da Sé até Aparecida do Norte se manifestando contra o racismo, pela igualdade e a vida, e eu ainda criança tive a oportunidade e o privilégio de caminhar junto em alguns dias por alguns quilômetros. Isso reverberou no meu ser de uma forma gigantesca, então desde criança eu tenho como referência mulheres e homens se organizando e se manifestando de forma grandiosa pelos seus direitos. E em cima disso, eu entendo a arte desde sempre como mais uma arma de luta contra a opressão, como mais uma forma de se manifestar, denunciar, para que exista reflexão e mudança.

DA: Com referência em artistas como Heitor dos Prazeres e Sidney Amaral, que desenvolveram um obra com forte presença do protagonismo negro, seu trabalho também cultiva a figura negra como centro da ação. Qual a importância de narrativas como essas no atual panorama artístico brasileiro?

RS: Existiu e existe uma importância muito grande em termos uma narrativa negra, digna e positiva nos trabalhos artísticos, e feitas a partir das pessoas pretas. Nós falando de nós mesmos. As obras de Sidney Amaral, Heitor dos Prazeres, Rosana Paulino, Maria Auxiliadora, Benedito José Tobias, entre diversos outros, fizeram com que eu estivesse aqui hoje, por exemplo. Sou de uma geração que teve pouca representação digna na TV ou nas grandes mídias, e um momento que tive acesso a alguém parecido comigo, pintando obras que se pareciam comigo, eu quis ser aquilo ali também. Entendo que esse recorte do reconhecimento dentro de uma narrativa negra ainda se faz muito importante nos dias de hoje, para que as pessoas se vejam, reflitam, se inspirem e façam. Uma mulher negra pintando ou representada numa empena  de um prédio em uma grande metrópole ainda é novidade. Vale comentar que o panorama artístico brasileiro não se limita apenas a galerias, feiras, museus e ao centro, nem tudo é acadêmico. A arte de rua e o graffiti, por exemplo, vêm trazendo essa importância do protagonismo preto, resgatando pessoas para o fazer artístico nas periferias da cidade há muito tempo.

Retomada, 2020, de Robinho Santana. Foto: Divulgação

DA: Também temos observado, com grande força, um movimento de jovens pintores negros/as/es. Como você observa esse caminho escolhido por essa nova geração? 

RS: Eu agradeço a todas e todos artistas mais velhos que pavimentaram este chão para que possamos comentar sobre isso hoje em dia, apesar de eu fazer arte há muitos anos, faz poucos que eu assumi esse ofício como o principal e único na minha da vida, foi demorado me entender como artista. Fico muito feliz em ver tantas pessoas jovens fazendo e se entendendo como artistas desde muito cedo, falando com originalidade sobre suas próprias narrativas e vivências com trabalhos ótimos, cheios de técnica e conceito, pensando inclusive para além do trabalho figurativo, se colocando no campo das pinturas abstratas, o que acho importantíssimo. Isso nos mostra que, ao longo dos anos, foram se criadas novas referências do que as pessoas negras brasileiras também podem ser.

DA: E quais nomes você citaria para acompanharmos? 

RS: De jovens artistas eu gosto muito dos trabalhos (que inclusive alguns eu já adquiri para minha coleção pessoal) da Mayara Amaral @yamamayayama, Kerolayne Kemblin @dacordobarro, Larissa Souza @azouslaris, Simba @simbalifemec, Heloísa Hariadne @heloisahariadne, Wanatta @wanatta_streetart, Julio César @juliocesaarrrr e Mulambo @mulambeta…

Mural Deus é mãe, de 1.892 m², de Robinho Santana, na fachada cega do edifício Itamaraty em Belo Horizonte, como parte do Festival Cura 2020. Foto: Divulgação

DA: Você participou do festival Cura em 2020 em Belo Horizonte, pintando um mural na empena de um prédio, que posteriormente se tornou alvo de inquérito por parte da polícia civil local em um ato de criminalização da arte. De que forma essa ação reverberou no seu trabalho e vida?

RS: A cidade deveria ser para todas e todos. Fiquei chateado, mas não surpreso, essa ação só nos comprova que, de fato, vivemos em um país que não entende e não respeita as diferenças, que anda na contramão de uma evolução quanto sociedade e, mais uma vez, criminaliza e silencia a produção artística oriunda das periferias. Eu trago esse ocorrido como uma oportunidade também de falarmos sobre o todo, pra além da arte, sobre o que acontece pra fora da nossa bolha, nas favelas e periferias espalhadas pelo Brasil, onde jovens negros são assassinados e criminalizados simplesmente pela sua existência, e essa denúncia também faz parte do meu trabalho. Para além de tudo, percebi que faço parte de uma rede de apoio grandiosa, que incentiva, dá suporte e respeita meu trabalho. É triste e revoltante saber que a polícia veio até a porta de sua casa por conta de uma obra de arte que você fez com tanta honra e orgulho, enquanto casos que ferem nossa existência passam imunes pelos olhos da justiça. Mas não vai ser isso que vai me fazer desistir de fazer a coisa que mais amo. A caminhada ainda é longa…